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Alunas de Umbaúba avançam na pesquisa sobre dignidade menstrual sustentável

Após o desenvolvimento de um absorvente de origem vegetal e biodegradável, as próximas etapas da pesquisa são patentear o produto e obter permissão do Comitê de Ética para realizar testes em humanos

08/03/2024 às 17h59
Por: Redação Fonte: Agência Sergipe
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Alunas de Umbaúba avançam na pesquisa sobre dignidade menstrual sustentável

Neste 8 de março, em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc) presta homenagem a todas as mulheres sergipanas, em especial para um grupo de oito meninas do Colégio Estadual Dr. Antônio Garcia Filho, em Umbaúba, que, para combater a problemática da pobreza menstrual no ambiente escolar, arregaçaram as mangas do jaleco e desenvolveram um absorvente higiênico íntimo de origem vegetal e biodegradável. A pesquisa foi premiada na maior feira de ciências do estado, em 2023, e segue para novas etapas, em 2024: patentear o produto e obter permissão do Comitê de Ética para iniciar os testes em humanos.

Numa roda de conversa, Sofhia, Quizia, Rayane, Jamilly, Lays, Lorena, Iulânia e Ellen recordam que o pontapé inicial para o projeto de pesquisa não foi o laboratório, como era de se esperar, mas sim a aula de redação. “Nossa professora de Língua Portuguesa e co-orientadora do projeto, Rosana Cardoso, trouxe a temática da Dignidade Menstrual para que essa discussão aflorasse na turma”, comenta Iulânia Firmino, aluna da 3ª série do Ensino Médio.

A discussão não apenas aflorou; ela floresceu e gerou bons frutos, segundo avaliação do próprio grupo ‘Meninas na Ciência’. “Nosso projeto de iniciação científica surge, portanto, de uma inquietude e de uma problemática vivenciada por mulheres e meninas em todo o mundo. Por isso, sentimos a necessidade de colocar em prática duas técnicas de pesquisa, conhecidas como ‘questionário’ e ‘grupo focal’, tendo como foco o público feminino da nossa escola”, frisa Ellen Santos Guimarães, aluna da 3ª série do Ensino Médio.

O resultado do questionário revelou que 28,81% das entrevistadas já passaram pela situação de não poderem sair para algum lugar, inclusive a escola, por falta de absorvente; 46,33% das entrevistadas afirmaram terem usado um absorvente por um período muito longo por não terem o suficiente para aquele dia; 28,25% das entrevistadas buscaram alternativas mais baratas para substituir os absorventes externos, como por exemplo, uso de panos e de papel higiênico.

Com os dados quantitativos em mãos, as jovens cientistas realizaram um grupo focal para obterem dados mais qualitativos do tema. “Há um tabu e um preconceito muito grande sobre o ciclo menstrual, que não nos permite compreender de fato os pormenores. A roda de conversa, nesse sentido, foi necessária para elucidarmos coletivamente questões importantes sobre a menstruação”, conta Sofhia Araújo, aluna egressa do Colégio Estadual Dr. Antônio Garcia Filho.

Outra etapa fundamental desta investigação científica refere-se à pesquisa de materiais que poderiam ser utilizados na fabricação de absorventes externos, sem agredir o meio ambiente. “Sabe-se que o absorvente tradicional tem o plástico como um de seus principais componentes, o que gera um impacto elevado ao meio ambiente. Nossa intenção, desde o início, foi pensar um produto que não agredisse a natureza. Por isso, fomos atrás de alternativas vegetais em termos de matéria-prima e, depois de muito estudo e testes, chegamos ao bagaço da cana-de-açúcar e na goma de tapioca, ambas muito presentes em nosso município”, destaca Lays Dallyle, aluna da 2ª série do Ensino Médio.

Passo a passo da pesquisa

O primeiro passo foi a realização de testes de absorção de fluxo, com o bagaço de cana-de-açúcar triturado e inteiro. “Percebemos que o bagaço absorve melhor o fluxo estando inteiro. No entanto, é preciso ter muito cuidado com a preparação das fibras, pois elas precisam passar por um processo de retirada do açúcar até se atingir um PH neutro. Conseguimos chegar ao ph6, considerado bom para a região íntima da mulher. Depois, realizamos o processo de secagem das fibras em estufa”, explica Jamilly Alves dos Santos, aluna da 2ª série do Ensino Médio.

O segundo passo foi o teste de impermeabilização realizado com a goma de tapioca. “Durante uma conversa que estávamos tendo no grupo, lembrei que durante os preparativos de São João as meninas utilizam o polvilho doce no preparo de uma goma que ajuda tanto para armar o vestido quanto para impermeabilizá-lo. Diante disso, fomos aos testes e produzimos uma película de goma de tapioca que protege o bagaço da cana”, observa Rayane Souza, aluna da 3ª série do Ensino Médio

Por fim, o terceiro e último passo foi encontrar um tecido 100% vegetal para envolver o bagaço da cana e a película de goma de tapioca. “Dentre as nossas exigências estavam: que o tecido fosse ecológico; que fosse semelhante ao tecido do absorvente externo tradicional; e que passasse a sensação de conforto. Depois de muita pesquisa, conseguimos encontrar um tecido feito à base de bambu, num site sustentável e com valor acessível”, acrescenta Lorena Costa Alves, aluna da 2ª série do Ensino Médio.

No entanto, o grupo ‘Meninas na Ciência’ não se deu por satisfeito. “Nossa próxima meta é conseguir produzir nosso próprio tecido ecológico. Estamos pesquisando meios e fontes de matéria-prima e estabelecendo parcerias tanto com o curso de Engenharia do Instituto Federal de Sergipe (IFS), quanto com o curso de Farmácia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), para utilizarmos os laboratórios, além de contarmos com o apoio e conhecimento de outros pesquisadores”, reforça Quizia Santos, aluna da 2ª série do Ensino Médio.

Absorvente biodegradável 

O absorvente externo produzido pelo grupo ‘Meninas na Ciência’ pode ser considerado sustentável por três motivos: primeiro, porque seu custo é relativamente baixo, chegando a custar R$ 1,16 a unidade; segundo, porque no processo de produção reaproveita-se o bagaço de cana-de-açúcar, um excedente de alambiques e de feiras locais; terceiro, porque cumpre as normas da American Society for Testing & Materials (ASMT), ao determinar que um produto é biodegradável quando ele se decompõe em até 90 dias. “No caso específico do nosso produto, testes comprovam que, após um mês enterrado em solo umidificado, há uma perda de massa em torno de 52%”, completa Iulânia Firmino.

Projeto interdisciplinar e transversal

O projeto de iniciação científica começou a ser desenvolvido no Colégio Estadual Dr. Antonio Garcia Filho, em 2023, sob a orientação da professora de Química Darcylaine Martins. Outros professores também se engajaram à causa, a exemplo da professora de Língua Portuguesa, Rosana Cardoso; da professora de Biologia, Valéria Hora, e do atual coordenador do projeto e professor de Física, Edson Souza.

Para Rosana Cardoso, o tema exige uma abordagem interdisciplinar e transversal dos professores. “Quando nós falamos de dignidade menstrual com os alunos, nós estamos dizendo que pessoas que menstruam têm o direito de ter acesso tanto aos produtos para a sua higiene pessoal quanto a um ambiente seguro e adequado para tratar do tema da saúde menstrual. Precisamos garantir que esse direito seja estendido a todos”, defende a professora Rosana Cardoso.

Por fim, o coordenador do projeto, Edson Souza, acrescenta que a escola tem um papel social relevante porque possibilita que essas jovens cientistas sejam agentes de transformação da sociedade. “Em outras palavras, em nossa escola buscamos desenvolver uma ciência que esteja a serviço de nossa comunidade”, conclui o mestre.

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